sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A revelação

Veja bem, senhor, sei que és capaz de fazê-lo, por que não o faz, (...) tu que já fizestes esta que é a maior maravilha de todas que é o ser humano, tu que criastes tudo desde a luz e as sombras, tu que criastes as plantas, os peixes e os animais, tu que criastes as mais longínquas estrelas às quais os pobres cientistas só conseguem enxergar com grandes telescópios, tu que inventastes o sol, o mar, o cume das montanhas, tu que tivestes esta imensa criatividade e este poderio de tornar real o que pensastes de forma tão bela e com tanto empenho, por que é, meu senhor, por que é que deixastes tantas injustiças acontecerem com os homens, qual teu porquê? Por que é, meu senhor, que punistes o homem assim tão duramente pela curiosidade sobre um fruto proibido, por que proibistes o fruto, meu senhor, por que punistes tantos em tantas eras, de tantas formas sinistras e grotescas, por que deixastes tudo isso acontecer, meu senhor, por que se és tão forte, se podes tudo criar, se és onipotente e grandioso, por que, senhor, por quê? Este teu pobre servo mal pode pode compreender teus desígnios, mal pode querer chegar a quem sabe um dia compreender muito, este teu servo que é limitado, que é sombra de um ideal perfeito em tua mente, como posso eu julga-lo, meu senhor, como posso, como poderia, como faço, o que estou a fazer? Senhor, dê-me apenas a capacidade de aceitar que o que faz é por um bem maior, é por um objetivo mais amplo e mais adequado para nós, para o homem, para o Espírito. Não consigo crer, meu senhor, não consigo crer que alguém pode prezar tanto o destino ao assassinar o caminho, não creio que fins compensarão os meios, senhor, não acredito em ti, não acredito em mais nada, não acredito na predestinação do mundo, na idéia de um porvir melhor, não acredito nisso, não consigo, sinto muito, não posso, sou incapaz, sou fraco. Acredito apenas no agora, no universo em que vivemos, na existência do aqui e do hoje, onde todo o mundo e todo o tempo confluem em uma beleza, uma criatividade, uma ação, uma vida. Acredito apenas no presente, meu senhor, preciso ser sincero contigo e com minhas mais profundas crenças, aquelas que me veem do âmago, aquelas que me saem naturalmente tal qual jorro do meu próprio ser, fluir interminável de vida humana. Tu que me fizestes, sei que me fizestes desta forma, sei que me fizestes para isso, sinto tua força a me pedir a mais pura das minhas naturalidades, o mais aguçado escutar dos meus instintos a trazê-los para o mundo do hoje e do agora, singularidade única, maravilhosa e irrepetível. É por isso que tenho tantas dúvidas, que não posso acreditar nesta idéia que repetem de ti, nesta tua suposta capacidade de fazer tudo e de não ser responsável pela podre sociedade do capital, pelo desrespeito crasso dos seres humanos por eles mesmos e pela tua tão bela obra arquitetônica. Preciso confessar e se és mesmo assim onipotente como te pensam, nem preciso dizer ou relatar por que tu já saberás e sentirás em ti porque te tenho negado tanto, por que tenho sido cético quanto à tua existência, o que já fizestes, meu senhor, o que já fizestes para me provar de tua existência, não fizestes nada, absolutamente nada, como posso saber se foi mesmo tu quem criastes estas coisas, quem sou então, sim, admito, limitado, extremamente limitado, incapaz de tomar atitudes coerentes ou totalmente racionais, incapaz também de escutar sinceramente as minhas próprias raízes, quem sou eu, sou um fracasso, um erro, um zero às esquerdas, não sou ninguém, se existires, então, peço que me perdoes por não compreendê-lo e estou certo de que, se existes, compreenderás, e se não existes, nada disso importará, ou melhor, importará sim, venho aqui para dizê-lo, meu senhor, que tua moral anda errada, anda enviesada e falha, anda carcomida e velha, como talvez esteja o senhor. A nova moral, meu senhor, a nova moral do século XXI é a preocupação com o bem estar do agora, deste momento, do único momento mágico que existe, este presente, estas palavras, esta leitura e esta escrita. Os fins não podem de maneira alguma justificar os meios porque os fins, meu senhor, os fins não existem, nunca saberemos se chegaremos lá nesses nossos ideais assim tão tortos e imperfeitos, nossos socialismos e nossos capitalismos, nossa sociedade, senhor, escutai-me, senhor, não podes dizer estas coisas aos humanos, erras, senhor, erras tanto quanto eu blasfemo, não, erras ainda mais, erras por permitir selar décadas, séculos e milênios de brigas em prol de uma paz que nunca chega, de um amor entre os irmãos que é pura invenção, que negas tuas próprias raízes ao cobrar indulgências, ao prometer o paraíso, ao catequisar sob a lâmina da espada, e se blasfemo agora contra ti blasfemo embasado num histórico de destruição que a idéia de ti causou no meu mundo e que parece proceder melhor sem a tua presença, presença enganosa e falsa que tem subjugado a humanidade ao longo dos séculos, não estou aqui para negar a bela contribuição do cristo que, mesmo que não tenha existido, é sem dúvida a encarnação não de ti porém dos mais belos ideais humanistas e de desapego, contrário do que vem sendo pregado pelas instituições que julgam representá-lo senhor, e pela grande maioria da população em um mundo que é apenas de aparências e dinheiro, mundo acabado, sem lastro, que é pobre em sua base e merece apodrecer cada vez mais ante seus próprios propósitos egoístas e mesquinhos, sabes de uma coisa, meu senhor, quando vejo o futuro, percebo que nos enxergarão hoje de forma assim tão horrorosa, vejo um futuro melhor, senhor, vejo um futuro que se virará à época de hoje com gosto amargo à boca, nojo e reprovação, alguns seres humanos, senhor, que talvez viverão ainda depois de nós, os poucos que restarem, eles reconstruirão um mundo diferente, eu vejo, senhor, eu vejo, eles construirão este mundo do agora que prego, um mundo em que o momento principal será o presente, não a construção de um futuro incerto, onde as pessoas prezarão antes suas felicidades pequenas e momentâneas, as maiores do mundo, do que supostas felicidades oriundas da aquisição de bens materiais, como se vê hoje em toda parte. Estes homens estarão traumatizados pelo que temos feito, senhor, eles irão querer algo diferente e mais virtuoso, senhor, senhor, salve meu corpo, senhor, salve minh'alma.

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